quinta-feira, 14 de agosto de 2014

VIII

Maria anda como eu:
Impossibilitada de fazer
tudo o que quer.

Tem mãos amarradas,
ar de doente, olhar de demente,
cansada.

Maria vai acabar como eu:
covarde nas decisões,
amante das cousas indefinidas
e querendo compreender suicidas.

Maria vai acabar assim sem rumo,
andando por aí,
fazendo versos
e tendo acessos
nostálgicos.

Maria vai acabar
bem tristemente.
De qualquer jeito,
lendo jornais,
tendo marido
indefinido.

(Não sei por que Maria
quer compreender
muito demais,
a vida do suicida,
E Maria vai acabar
se fartando da vida.)

A vida coitada,
é camarada, gosta de Maria,
quer fazer Maria viver mais,
porque Maria é desgraçada.
Quer deixá-la para o fim,
assim à mostra,
e eu francamente não entendo
por que Maria não gosta
da vida.


Hilda Hilst (Baladas) 


terça-feira, 5 de agosto de 2014

Brilho finito

"Fico pensando em desintoxicação...
de como me livrar dos objetos
dos números analógicos
do cheiro de arroz e feijão feitos no relógio
ou apodrecendo nas panelas esquecidas no fogão
ruminadas pelos ponteiros langues de domingo ou segunda


tem alguma cirurgia para retirada de memória?"