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segunda-feira, 4 de junho de 2012
Praça da Luz
O inverno escreve em maiúscula
sua barriga circense.
Namorados sem ritmo povoam o espaço
onde gengivas conspiram e chefes de família
promovem abafadas transações.
Um marreco aproveita a audiência
e se candidata a senador. Anjinhos
cacheados esvoaçam flâmulas
e hemorróidas, corpos horrendos se tocam.
Uma gargalhada despenca do cabide:
marcial
um cortejo de estátuas inaugura
o espantoso baile dos seres.
Antônio Carlos de Brito
quinta-feira, 31 de maio de 2012
A Piedade
Eu urrava nos poliedros da justiça meu momento abatido na extrema
paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam cu-de-ferro e me
fariam perguntas por que navio bóia? por
que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as estátuas de
fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam que tenho
todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através dos meus sonhos
Roberto Piva
segunda-feira, 28 de maio de 2012
Os filósofos
Ante o empolgamento
que foi galvanizando
sucessivamente
os frades copistas,
os geômetras,
os astrônomos,
os pálidos almirantes core suas lunetas,
os monarcas augustos com suas esferas armilares,
e os tabeliões
Ante as maravilhas da Ciência
e do Progresso Tecnológico,
Aconteceu que
os filósofos, pouco a pouco,
com suas idéias vagas,
suas caraminholas na cabeça,
um após outro,
entre chacotas mal disfarçadas,
foram sendo jogados ao mar,
tichipum, tichipum,
por cima do parapeito do convés
do Barco do Conhecimento
que navega por mares ignotos,
levando à proa
a orgulhosa máscara
de Francis Bacon...
Cuidado, Capitão,
Cuidado...
Carlos Saldanha
quarta-feira, 23 de maio de 2012
Uma cidade
Com gula autofágica devoro a tarde
em que gestos antigos me modelaram
Há muito, extinto o olhar por descaso da retina,
vejo-me no que sou:
Arquitetura desolada –
restos de estômago e maxilar
com que devoro o tempo
e me devoro
Francisco Alvim
terça-feira, 22 de maio de 2012
Jogos Florais
JOGOS FLORAIS I
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
JOGOS FLORAIS II
Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.
(será mesmo com dois esses
que se escreve paçarinho?)
Antônio Carlos de Brito
segunda-feira, 21 de maio de 2012
O riso amarelo do medo
Brandindo um espadim
do melhor aço de Toledo
ele irrompeu pela Academia
Cabeças rolam por toda parte
é preciso defender o pão de nossos filhos
respeitar a autoridade
O atualíssimo evangelho dos discursos
diz que um deus nos fez desiguais
Francisco Alvim
sexta-feira, 18 de maio de 2012
Leopoldo
Minha namorada cocainômana
me procura nas madrugadas
para dizer que me ama
Fico olhando as olheiras dela
(tão escuras quanto a noite lá fora)
onde escondo minha paixão
Quando nos amamos
peço que me bata
me maltrate fundo
pois amo demais meu amor
e as manhãs empalidecem rápido
Francisco Alvim
quinta-feira, 1 de março de 2012
Comum desacordo
Despertador em frenesi.
O casal acorda
reluta em amar de acordo
desfaz-se do nó da corda
Os cônjuges
desamarram-se
desalmam em si
Dani Ribeiro
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
Depois do Carnaval
Terminado o Carnaval, eis que nos encontramos com os seus melancólicos despojos: pelas ruas desertas, os pavilhões, arquibancadas e passarelas são uns tristes esqueletos de madeira; oscilam no ar farrapos de ornamentos sem sentido, magros, amarelos e encarnados, batidos pelo vento, enrodilhados em suas cordas; torres coloridas, como desmesurados brinquedos, sustentam-se de pé, intrusas, anômalas, entre as árvores e os postes. Acabou-se o artifício, desmanchou-se a mágica, volta-se à realidade.
À chamada realidade. Pois, por detrás disto que aparentamos ser, leva cada um de nós a preocupação de um desejo oculto, de uma vocação ou de um capricho que apenas o Carnaval permite que se manifestem com toda a sua força, por um ano inteiro contida.
(...)
Mas, agora que o Carnaval passou, que vamos fazer de tantos quilos de miçangas, de tantos olhos faraônicos, de tantas coroas superpostas, de tantas plumas, leques, sombrinhas...?
"Ved de quán poco valor
Son las cosas tras que andamos
Son las cosas tras que andamos
Y corremos..."
dizia Jorge Manrique. E no século XV! E falando de coisas de verdade! Mas os homens gostam da ilusão. E já vão preparar o próximo Carnaval...
Cecília Meireles
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
Espera da poesia
Absorvi mil impressões
expurguei outras mil
sem que me fosse possível descrever
essas percepções incômodas que zunem num
e noutro momento
Estou com a alma de uma velha destoada
do canto falho, de visão opaca
com este sentimento de quem fica
à espera de algo
no embalo do vento
E Godot não vem
não vem não
vem...
Dani Ribeiro
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
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