segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Igreja


Tijolo
areia
andaime
água
tijolo.
O canto dos homens trabalhando trabalhando
mais perto do céu
cada vez mais perto
mais
- a torre.

E nos domingos a litania dos perdões, o murmúrio das invocações.
O padre que fala do inferno
sem nunca ter ido lá.
Pernas de seda ajoelham mostrando os geolhos.
Um sino canta a saudade de qualquer coisa sabida e já esquecida.
A manhã pintou-se de azul.
No adro ficou o ateu,
no alto fica Deus.
Domingo...
Bem bão! Bem bão!
Os serafins, no meio, entoam quirieleisão.



Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Amora

Na casa de fundo do bairro Ipês
a mulher na sua ira claustrofóbica
ateou fogo nos sofás
quebrou a “tevê”
tentou suicídio. 

Hoje de manhãzinha
vejo-a da janela
deitada sobre a calçada.
A mulher namora
   um novo amor
debaixo de um pé
            de amora.

Dani Ribeiro

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Overdose

Quero que a música 'exploda' minha cabeça
e seja minha causa mortis

Noitada:
Toca raul na guitarra hendrix cantando arrigo barnabé - malditos bem ditos improvisos do jazz e clássico se fundem em burt bacharach

...

Programação:
Tem rock in rolling stones e as mutações de mutantes
a gaita que chora de junior wells na presença de edith piaf
elis cantado águas de março que acabou chorare
noel rosa no boteco e a malandragem de chico
o lado B dos beatles e lado A de art ensemble of chicago
bossa velha e nova tropicalia no samba que desceu do morro até novos baianos em busca do folclore seco & molhado matogrosso
tem vanguarda paulista no itamar assumpção e muitos carnavais em woodstock com a jovem guarda

...
Extra:
Anjo torto muito louco deixa jards macalé e faz cabeça de nara 'leãozinho' de caetano

billie holiday acompanhada do índio morrison viaja num yellow submarine e descobre aquarela do brasil e o candomblé de vinícius

jovens de seatlle colocam pé na estrada e vão parar no nordeste pra ver o baião de gonzaga e maracatu atômico.
o lobo howlin flerta garota de ipanema de jobim vestida de winehouse
o rei miles davis improvisa com o trompete de chet baker e faz a dancinha de elvis.

São jorge ben transa no clube da esquina e descobre mineirices.
...

Dani Ribeiro

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Drama em três atos

                 I
Da ultima chuva que caiu
num acorde harmônico
criado numa ficção
neorromântica pseudo-erótica
Lola atuou com magnificência
O palco rastejou ao seu pés
e a plateia sugou-lhe a torpeza
 

                 II
noventa dias e um monodrama
pintado de nude e escarlate
escancarou-se a face dissimulada
- Esculpiram a safadeza! 


                 III
Lola feito cama leoa
rasgue o vestido
dispa a pele parda
Enerve sua cara pálida
Pra ver se dessa sua languidez enjoada
saia algum torpe excremento.

Dani Ribeiro

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Oswald Morto


Retrato de Oswald de Andrade, 1922 -
 Tarsila do Amaral



Enterraram ontem em São Paulo
um anjo antropófago
de asas de folha de bananeira
(mais um nome que se mistura à nossa vegetação tropical)


As escolas e as usinas paulistas
não se detiveram
para olhar o corpo do poeta que anunciara a civilização do ócio

Quanto mais pressa mais vagar


O lenço em que pela última vez
assoou o nariz
era uma bandeira nacional


NOTA:
fez sol o dia inteiro em Ipanema
Oswaldo de Andrade ajudou o crepúsculo
hoje domingo 24 de outubro de 1954


Ferreira Gullar

domingo, 23 de outubro de 2011

Poente

Impression Sunrise - Claude Monet 


A toda poesia
inflamada de fogo
mas que não queima,
deixa apenas
o clarão
antes de se esconder
atrás de um vasto
montanhoso

E aí a gente pensa
que a poesia foi-se embora
versando o
adeus.
E então
ela faz a rima
sempre oculta
calada
da noite escura
brincando de
deus

E a gente fica
feito matuto
só na escuta
achando que a gente é feito
de carne e osso
ego e oco,
enquanto o poente tece
em prosa e verso
o que o nascente faz
em verso e prosa


A poesia está onde nada se ouve
mas a gente sente

sê inteiro”
poente-nascente

Dani Ribeiro



sábado, 22 de outubro de 2011

Lepra




Aquelas casas velhas
de respiração chiada
cheiram Alzheimer com rum

Quanto mais as olho
mais minha sinusite lateja
a boca solfeja
“filarmônica-débil”

Aí eu corro com o peito magro
vacilando na calçada que é pura dismnésia

Paro na esquina
e tento perceber
que já estou farto do Barroco

Ofegante
sento de frente para igreja
e vem aquele louco
argentino
vendendo seus chinelos...

Se vou abrir aquela garrafa

é pura invenção.
Em Del Rei
pouco me vale uma rua

Lucas FL.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Irgocentrismos



Miméticaminhos

Em matéria de vida imito o mineiro
pá e lavra
pés mesclados na água
castelo de pedra erguido na areia

procurar na lama no lodo nos lados
pescar pedra e pó com peneira
pepitas preciosas deamantes
incrustados em cada instante

tirar da corrente
salvar da correnteza
que corre parada
e nunca é a mesma

Talvez na praia nas noites do diàdia
eu encontre um bruto diamante
ou quem sabe, a brutal -

Poesia

...

não há um Outro
que me habita
há Outros
e são Tantos

que me perco em meio
a mantos
a máscaras
e panos

há o olhar
o não lugar
sem olhos ou corpos
e estou lá

há sonhos enterrados
espelhos
desejos
e cacos

não há eu (para perder-se)
há falta
há nós
e os laços

há uma cidade
de muitas ruas
com seus becos

e buracos

...

Bêbado.

Menos de bebida
que de sonho

de olhar e ouvir
e falar e sentir

noiteahnoite o dia
além da luz

No encontro dos olhos
dos corpos do copos

receosos tilintantes
corações cheio de sangue

enquanto vida e
enquanto dor

cheios de algo bombeando o Ir
seja pra onde for

tremendo de coragem
de frio

de amor

...



agora que você viu
bem visto
bem vestido

o teatro
os contentes

aprenderá
a atuar?



Igor Alves
Mais poemas podem ser encontrados no blog CANTOS NOS CANTOS

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Tragédia de Jornal

O jornal da banca anuncia
estampada na primeira capa
a morte da égua atropelada

seu dono e velho amigo
vindo lá dos canaviais
chora a morte, estarrecido.

E como se não bastasse o triste fim
como se não bastasse
o sofrimento
daquela gente
dos canaviais
dias depois
um caminhão carregado de cana
cruza de frente na terra da estrada
e o homem tem sua cabeça decepada


Na notícia do jornal
eu pergunto àquele senhor
dono da banca
que vende ilusões
que vende a desgraça
e o tédio cotidiano:
Onde foi parar a poesia
da tragédia daquele camarada?

Dani R. F.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O Poeta do Castelo

Curta de 1957 dirigida por Joaquim Pedro de Andrade, mostra com tamanha beleza a simplicidade cotidiana, a monotonia e a solidão, tão presentes na obra e vida do poeta Manuel Bandeira. Jóia rara!


Já aqui, com imagens de 'O Poeta do Castelo', o poema "Trem de Ferro" musicado por Tom Jobim.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ócio

Office at Night - Edward Hopper


Improdutividades...
Hora vazia na sala de escritório
E a presença incômoda
Ignorada

Mas o sujeito-epilepsia
do folhear insinuante
cavando freneticamente
o livro ilegível,
ensaia labuta
pra gastar seu parco dinheiro
na locadora de vídeos
sessão pornô.

Dani Ribeiro

Prudente de Morais



Calado
vida descarrilhada
olhos de longa-metragem

Maquinista fumante
Trilhos abandonados
A ferrovia turva

Sucata e
mato
Carvão e
pedra

Depois do pontilhão
vultos dormindo em janelas
o ranger do ferro
dormentes e ombros

e a grosa

"APITO"

Lá vem a locomotiva enferrujada
de vagões apodrecidos
e sua velha estação

A turma-de-linhas

mal-ditos

fantasmas

Lucas FL.


apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme

paulo leminski
do livro "Caprichos & Relaxos"

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Seda de Papel

Toulouse-Lautrec

Invento um desafio de colocar linhas em
meio fio de papéis. Linhas incongruentes
de palavras que não mentem
com os minutos contados
     em minúcias.
E o leve desabrolhar de seda rasgada
que atravessa essas linhas do corpo branco, liso,
em que as mãos afagam
                    e afogam.

Amacio, amasso as folhas de papel almaço
                                        e não desfaço.
Me aproximo e toco o seu corpo
coberto de linhas salientes.
Enfeito as palavras que passeiam levemente
nas curvas montanhosas da Mantiqueira do seu corpo.
                                       Quer queira, quer não,
                                   ofereço essa composição
tingida de papéis brancos que se misturam ao
corpo quase morto.

E os minutos passam,
deixam
os papéis nos bordéis,
a seda rasgada,
o branco no corpo,
agora já amorfo,
      sem amor. 

Dani R.F.

sábado, 6 de agosto de 2011

Ecos

Minha escrita é qualquer coisa
menos poesia
é a pura conversa fiada
não tem verdades
nem medidas
o típico papo furado
feito para descarte imediato

Sua composição
é pura maravalha
restos de um marceneiro cansado
velho, quase surdo
Que toca a vida
com seu rádio empoeirado
cheio de gambiarras
fios desencapados 
de precária sintonia

É sintomaticamente feia
retirada de corpos doentes
semelhante a
apendicites
hérnias
vesículas
verrugas
e pequenos cânceres benignos

Não embala amantes
não incita a juventude
não provoca o estado
não inspira

Até poderia comercializá-la
como veneno para ratos
ou como soda para desentupir pias

Meus versos
valsam com o mau gosto.

                   
                 Lucas FL.

sábado, 30 de julho de 2011

Julho


do calor do inverno
     arquiteto meu próprio 
                              inferno

Dani R. F.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Convite


               São João del Rey 
               A fachada do Carmo 
               A igreja branca de São Francisco 
               Os morros 
               O córrego do Lenheiro 


                Ide a São João del Rey 
                De trem 
                Como os paulistas foram 
                A pé de ferro 


Oswald de Andrade

Passe a expressão

Esses tais artefatos
que diriam minha angústia
   tem umas que vêm fácil,
tem muitas que me custa.
   Tem horas que é caco de vidro,
meses que é feito um grito,
   tem horas que eu nem duvido,
tem dias que eu acredito.
   Então seremos todos gênios
quando as privadas do mundo
   vomitarem de volta
todos os papéis higiênicos.


Paulo Leminski (distráidos venceremos)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Penas vertiginosas



Caminhão na estrada
tortuosa das minas
das serras
no campo
das vertentes
das vertigens
dos inconfidentes


um caminhão carregado
de frangos encaixotados
repleto de penas
avoando longe
na estrada
das serras
e os frangos
na espera
da promessa
do abate

na estrada das minas
das vertentes
o cheiro dos frangos
encaixotados
não causa fome...
dá vertigem


Uma frase de caminhão
na estrada
dos inconfidentes
e dos frangos
encaixotados

“Deus seja louvado”

Dani R.F.


Tangolete


este copo já não é pra ela
dela a tatuagem no meu peito
o meu peito é uma varanda
onde o tempo já nao anda
garçom, faça um favor
traga outro trago
e os bêbados, calem a boca!
não quero rimas de amor
e os bêbados, calem a boca!
não quero rimas de amor
esta mesa, este bar já me ensinaram a dormir e a acordar
Novos Baianos

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Vinciana Inflamada



Duas pregas móveis
dotadas de grandes cílios

suas pálpebras

expressão mista
de indiferença e deboche...


Morena afoita
de mãos cadavéricas
taciturna vislumbrante

(...)
Em noites dantescas
grandes filas para o banheiro
meninas no pretérito
baforadas
olhares esfarelados
provincianos
e aquele peso nas entranhas

(…)
No fim da sessão
taquicardias em motéis baratos
discorrendo em compulsivos tragos
o coma sentimental

Lucas FL.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Digestão

A couve mineira tem gosto de bife inglês
Depois do café e da pinga
O gozo de acender a palha
Enrolando o fumo
De Barbacena ou de Goiás
Cigarro cavado
Conversa sentada


Oswald de Andrade

terça-feira, 7 de junho de 2011

Constantes dissimulações

 MARIANNE: 
“Ontem, de repente, fiquei dominada por uma euforia quase temerária e pela primeira vez, de há um ano para cá, me senti com a antiga vontade de viver, com toda a curiosidade a respeito de que o dia a dia me poderia conduzir (…)
“Repentinamente, voltei-me e olhei para a fotografia antiga da minha classe na escola, quando eu tinha dez anos. Julguei que eu tinha encontrado algo, que há muito tempo tinha estado à minha disposição mas, mesmo assim, intangível. Com surpresa sou obrigada a constatar que eu não sei quem sou. Nem um pouco. Eu sempre fiz aquilo que as pessoas me disseram para fazer. Que me lembre, ao longo dos tempos, sempre fui obediente, conformada, o mais bem-educada possível. Pensando bem, acho que tive algumas explosões violentas de personalidade ainda quando menina. Mas recordo-me também que a mamãe punia todas essas escapadas das convenções com dureza exemplar. Toda a minha educação e a de minhas irmãs estava baseada no princípio segundo o qual devíamos ser agradáveis. Eu era bastante feia e desajeitada e era constantemente informada a respeito desse fato. Entretanto, descobri que se eu conservasse o segredo do que pensava e em contrapartida fosse ajustada e previdente, essa atitude dava resultado. A grande e verdadeira falsificação aconteceu justamente na puberdade. Todos os meus sentimentos e ações andavam à volta do erotismo. Não traí isso nem com uma palavra sequer com os meus pais, ou para qualquer outra pessoa mesmo. Depois, as mentiras, os segredos, as escapadas, aumentaram que só vendo. Meu pai queria que eu fosse jurista como ele. Dei a entender, certa vez, que acima de tudo queria ser atriz. Ou, pelo menos, queria me dedicar ao teatro de qualquer maneira. Lembro que se riram de mim. Depois, continuou tudo na mesma. Nas minhas relações com outras pessoas. Nas minhas relações com os homens. As mesmas constantes dissimulações. As mesmas angustiadas tentativas para ficar dentro da ordem. Nunca cheguei a pensar: o que é que eu quero. Mas sempre: o que é que ele quer que eu queira. Não se trata de uma espécie de desprendimento como eu acreditava antes, mas pura covardia, e, o que é pior, um completo desconhecimento de quem eu própria sou." 




(Roteiro de "Cenas de um casamento" de Ingmar Bergman)

domingo, 29 de maio de 2011

Notas de uma decepção amorosa

I
de gole
em gole
vai embora
o meu amor

engole
do bico
já que
não peço
nem fico


II
Chorou até cansar
Sentiu na face o desprezo
do tão-pouco-amor desfeito


III
Irradiou beleza e ferida
e foi ali na esquina
que foi encontrada vestida
de casaco e anestesia


IV
Me pare na rua
me faz ser de conta sua
só de conta
no vermelho
que me devolvo-lhe
ainda nua


V
Ouvi dizer que amores partidos
fazem versos e poesias
no gole,
no desprezo,
na esquina,
no faz-de-conta
Mas só encontro lamúrias
declamadas em demasia


VI
Vou embora, amor
vou fazer verão
mas não se preocupe
que ainda aqui
eu deixo uma flor

Morrer!


Dani R.F.


terça-feira, 24 de maio de 2011

Acomodação



Dez cômodos de desordem incômoda
O mal-cheiro que vem do banheiro
Roupas e meias sujas espalhadas no chão
Tropeços freqüentes nos móveis e sapatos
Enroscados em fios de cabelo e aranha

Menina que se perde nos cômodos incômodos
Inspira, expira e engole poeira
Titubeia, hesita, e depois esperneia
Se joga, adormece, convalesce e se arranha

A cômoda, um depósito de remédios
Antibióticos, cápsulas, tarja preta, anestésicos
No lixo, cremes jorrados dos tubos vaginais
Papéis higiênicos que transbordam em demasia
O caos estático e bem-feito por conseguir tal façanha.

E os cômodos da menina que pouco se incomoda
Mordisca, belisca, come e cospe unhas
Dança, descansa e volta a se cansar
Pois sabe que lá fora da vida se apanha.

Pobre menina,
Até o dia em que percebe
que os cômodos já não lhe são mais cômodos.
Se perde, se acha e tranca a porta
Joga a chave no ralo e pouco se estranha.

Dani R. F.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Bar Verde

Músico - Hugo Escobar

O pedreiro não poupa sua amargura nem num bar
Come jiló.
Os trocados miúdos do bolso
amassados
sujos
escassos

É unha suja
banha frita no aquecedor
seresteiro bodado
Um verso esquecido
uma serenata cantada...
E a indiferença de quem passa lá fora

O artista não é o que toca o violão de segunda,
mas sim o negro com os dois braços quebrados e gessados
que caiu da bicicleta ao sair trêbado do buteco

LucasFL. e Dani RF.