quarta-feira, 29 de setembro de 2010

No corpo

Pintura de Gustav Klimt
De que vale tentar reconstruir com palavras
      o que o verão levou
      entre nuvens e risos
junto com o jornal velho pelos ares?

O sonho na boca, o incêndio na cama.
o apelo na noite
agora são apenas esta
contração (este clarão)
de maxilar dentro do rosto.

A poesia é o presente.



Ferreira Gullar

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Fenômeno

Uma linguagem radical
Onde as folhas desprezam o talo
A musica sabota o guitarrista
E o gato adquire um amigo

Um idioma neoniilista
Sem comadres
Ladrões e cães ociosos

Canoas correrão rio abaixo
A grande queda
A luta física
Madeira e rocha

Ele percorre em cinco minutos a desfigurada e oblíqua avenida. O pouco necessário em resumidos passos. O leve cheiro de moveis envelhecidos, um gosto rústico e a cor extraviada do sol. Nem cigarros, nem portas abertas, rodas velozes, arrepios, lagrimas, beleza, não faz dele um sujeito ou coisa.      

Lucas F. L.

sábado, 18 de setembro de 2010

De olhos bem fechados


- Por eu ser uma mulher bonita... a única razão pela qual os homens querem falar comigo é porque querem me comer. É isso que você está dizendo?
- Bem, eu acho que a resposta não é tão simples assim, mas imagino que ambos sabemos como os homens são.
(...)
- Milhões de anos de evolução, certo? Os homens precisam enfiar o deles em tudo quanto é lugar, mas, para as mulheres, só o que importa é a segurança, o compromisso e sei lá que porra mais!
- Você simplificou bastante, Alice, mas é mais ou menos isso, sim.
- Se vocês, homens, soubessem...
(...)
- Mas você não é ciumento, certo?
- Não, não sou!
- Nunca sentiu ciúme de mim, certo?
- Não, nunca.
- E por que nunca sentiu ciúme de mim?!
- Bem, não sei Alice! Talvez por você ser minha esposa. Talvez por você ser mãe da minha filha e porque sei que você nunca me trairia.
- Você é muito, muito autoconfiante, não é?
- Não. Eu confio em você.
[Alice tem uma crise de risos]
- Você... se lembra do verão passado? (...) Bem..., eu já o tinha visto (o capitão) naquela manhã, no saguão. Ele estava chegando ao hotel e estava seguindo o mensageiro que levava a bagagem até o elevador. Ele olhou para mim de relance ao passar. Foi só um olhar. Nada mais. Mas eu mal consegui me mexer. Naquela tarde Helena foi ao cinema com uma amiga e eu fiz amor com você. Nós fizemos planos sobre o nosso futuro e falamos de Helena. Mesmo assim, em nenhum momento eu deixei de pensar nele. E pensei que, se ele me quisesse, mesmo que fosse só por uma noite, eu estaria pronta a abandonar tudo. Você, Helena, todo o meu futuro. Tudo. No entanto, foi estranho, porque ao mesmo tempo você foi mais precioso para mim do que nunca. E, naquele momento, o meu amor por você era ao mesmo tempo terno e triste. Eu mal dormi naquela noite e acordei em pânico na manhã seguinte. Não sabia se tinha medo de que ele tivesse partido ou de que ele ainda estivesse lá. Mas, no jantar, percebi que ele tinha ido embora e fiquei aliviada.

De olhos bem fechados - Stanley Kubrick

sábado, 11 de setembro de 2010

Adultério

Noite fria, movimentação intensa. Em cada canto, um bar rodeado de pessoas efusivas. Em meio aquela neblina que ofuscava a noite, um olhar rasgado passou por ali. Dois olhos e um anseio. O outro que os observou, seguiu obediente a sua intuição noturna. Era ela, a dona daqueles olhos convidativos. “Você!”. Murmurou o rapaz ainda pouco cegado pela bruma. A mulher caminhou indiferente, afastando-se de qualquer olhar suspeito e impôs a sua graça perante a fragilidade da noite cinza. O que ela queria era apenas um gozo e um bocado de amor que foram esquecidos durante sua vida conjugal: “Os rapazes não me servem, o que eu quero não existe!”

Na realidade nua, desconhecem o amor.
Eles só almejam um pouco de ostentação e luxúria,
Mas cultivam entre si o amargo-doce do cotidiano...

Dani R. F.