sexta-feira, 25 de junho de 2010

Trópico de Câncer (Henry Miller)




“São homens e mulheres mesmo ou são sombras, sombras de fantoches pendurados por invisíveis cordéis? Eles se movem aparentemente em liberdade, mas não tem para onde ir.” p. 222







Vou dedicar este espaço para falar um pouco do livro que terminei de ler recentemente. É o “Trópico de Câncer” do escritor americano Henry Miller. Há tempo não encontrava um livro que me interessasse, muitos dos que chegava a ler, acabava parando no meio do caminho.

Ainda não conhecia nenhuma obra desse escritor, apenas tinha ouvido falar. Mas antes de ler um dos seus romances, já havia lido o livro de Anaïs Nin – Henry, June e Eu, delírios eróticos – um diário em que a escritora descreve as suas mais íntimas aventuras amorosas com o próprio Miller e com sua amante June.

Um dos motivos de ter gostado do livro de Miller é a presença de uma narrativa crua, forte, franca e marginal. Um soco no estômago para os mais sensíveis ou despreparados. Tem bastante afinidade com o propósito do meu blog: uma escrita que descreve uma realidade desnudada, sem enfeites, com todas as podridões humanas que dificilmente estamos habituados a ver, ler ou ouvir. Entretanto, sabemos que ela existe e ignoramo-as porque isso nos causa repulsa, desconforto, isso NOS INCOMODA. Mas é exatamente esse tipo de literatura que ultimamente tem me atraído.

Pois bem, falemos então do romance escrito por Miller. A princípio, esse romance pode ser considerado uma autobiografia, pois o escritor vai relatando – sem o compromisso com uma narrativa linear – suas experiências vividas numa Paris que nós, estrangeiros, desconhecemos.

Publicada pela primeira vez em 1934, com ajuda financeira de Anaïs Nin, o romance causou muitas polêmicas na época (e ainda causa, embora com menos intensidade) por ser considerado um livro pornográfico. Chegou a ser proibido em diversos países, inclusive no Brasil, na década de 70. Para mim, o livro passa longe de ser considerado pornográfico e, apesar das cenas de sexo presentes no livro, o autor consegue narra-las sem fazer uso de uma vulgaridade excessiva. Ao contrário, ele descreve essas cenas com um olhar observador e algumas vezes, crítico e reflexivo do momento presenciado.

Em Trópico de Câncer, a bela e elegante Paris – a Cidade Luz – perde toda a sua exuberância. O que vemos é uma Paris preconceituosa, hostil e cruel com seus habitantes, principalmente com os imigrantes de todas as partes do mundo. Os arredores e subúrbios da cidade estão infestados por prostitutas e miseráveis. Em todos os cantos, há sexo fácil, bares decadentes e casas de prostituição. Todos convivendo em uma situação desumana, com todos os tipos de doenças possíveis e sem condições nenhuma de higiene.

Letrado, inteligente, amante de filosofia e com um bom domínio da língua francesa, Henry se vê totalmente sem oportunidades e vive a depender dos favores das pessoas que vai conhecendo. Faz amizades com vários artistas e intelectuais, igualmente boêmios. Chega a morar com vários conhecidos, presta serviços de todos os tipos imagináveis: desde carregador de cargas até professor de inglês num colégio interno. Tudo isso em troca de alguns francos ou simplesmente por comida. No seu auge da miséria, chega a pedir esmola e roubar.

Diante de todo esse caos que Miller se vê inserido, de todos os atos humanos, desde os mais primitivos aos mais nobres, nada passa despercebido aos seus olhos. E isso faz com que o narrador se torne um homem apático, frio, e chega a concluir que os homens são apenas um corpo fraco, presos em seus cárceres privados para apodrecerem lentamente. Não há choque, não há emoção nos acontecimentos por ele testemunhado.

Através desses relatos, temos acesso a um retrato bastante realista de um mundo entreguerras. Na verdade, Henry Miller deixa a América para sonhar uma vida melhor em Paris, o que acaba, em partes, não acontecendo. Contudo, o próprio narrador, mesmo convivendo nessas condições miseráveis, reconhece que Paris, com todas as suas podridões, é uma cidade que vicia, uma cidade que te amarra com todo os seus tentáculos e jamais deixa de respirar a arte. Ele chega a afirmar que é preferível ser pobre na Europa a ser pobre na América, pois lá o escritor encontra o que não há em sua terra natal: a liberdade. A liberdade de SER, a liberdade de ir e vir, a liberdade de não se prender ao ritmo agitado de uma sociedade extremamente apegada ao progresso e ao consumo. Mesmo que o mundo esteja sendo construído através da exploração humana, Henry consegue construir a sua própria identidade para se tornar um homem livre.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

No canto do olho

Bem aqui, ali no canto
No ultimo lugar
No esgotamento do mito
Na pestana insensível


A branca com sardas
Fios pretos pretos
As sobrancelhas finíssimas
O Mais estava ali

Seria o monólogo de Vênus
A condessa auxiliar
Uma pobre
Intensa e intensa

Ali se passa uma esquina louca
Um fundo silencioso
Onde vitimadores olhares
Viciam as imagens minhas

Por favor, me dê isso e aquilo
Obrigado!
Tem formol?
Quero mais esses dois olhos para levar.


Lucas F.L.
Foto de Anna karina

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago: Luto

"Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais"

"Há esperanças que é loucura ter. Pois eu digo-te que se não fossem essas já eu teria desistido da vida"

"Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória"



quinta-feira, 17 de junho de 2010

Em tempos de Copa


“Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola. A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakesperiana. Às vezes, num córner bel ou mal batido, há um toque evidentíssimo do sobrenatural”.

Nelson Rodrigues
"Sou um suburbano. Acho que a vida é mais profunda depois da praça Saenz Peña. O único lugar onde ainda há o suicídio por amor, onde ainda se morre e se mata por amor, é na Zona Norte”.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

A procissão


Um murmúrio vindo de longe ressoa pelo alto-falante
Ainda indistinguível, mas já anuncia a morte.
Homens e mulheres lamentam-se como de costume
E adornam suas casas com uma manta roxa e branca

A procissão aproxima-se melancólica e vagarosamente
Seus seguidores unem-se para chorar a morte de Cristo
O corpo santo segue em frente, venerado por seus fiéis
Maria, mãe de Jesus, em lamúrias, quase se desfalece.

As velas acesas, o incenso, o aroma das flores noturnas
O vento que abraça a multidão e ameaça as luzes
Uma canção lúgubre cantadas por milhares de vozes
Acompanha o séquito sagrado de sexta-feira santa.

Vejo a procissão interminável, caminhando sorumbática
Os semblantes graves, mal iluminados pela vela
As vozes que arranjam a musica com tal imperfeição
Que chega a ferir a imponência do culto religioso.

Companheiro, não sinto outra coisa além da compaixão.
Bem posso sentir o cheiro forte da terra...
Todos aqueles que ali caminham desconhecem
O triste fim que por eles, espera.

Dani R. F.
* Escrito na Semana Santa (2010)