sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

NATAL de Manuel Bandeira


Penso em Natal. No teu Natal. Para a bondade
A minh'alma se volta. Uma grande saudade
Cresce em todo o meu ser magoado pela ausência.
Tudo é saudade... A voz dos sinos... A cadência
Do rio... E esta saudade é boa como um sonho!
E esta saudade é um sonho... Evoco-te... COmponho
O ambiente cuja luz os teus cabelos douram.
Figuro os olhos teus, tristes como eles foram
No momento final de nossa despedida...
O teu busto pendeu como um lírio sem vida,
E tu sonhas, na paz divina do NAtal...


Ó minha amiga, aceita a carícia filial
De minh'alma a teus pés humilhada de rastos.
Seca o pranto feliz sobre os meus olhos castos...
Ampara a minha fronte, e que a minha ternura
Se torne insexual, mais do que humana - pura
Como aquela fervente e benfazeja luz
Que Madalena viu nos olhos de Jesus...


Clavedel, 1913

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Brunie


Uma catarse ousada, um casal e um amigo
Três jovens no viço:
dois porra-loca e um elemento estranho
Pensam estar livres por fumarem indiferença 
Deitam entre si
Promovem dor em suas camas 

O amigo era um sujeito bom
Cansado das mulheres
Agora vaga com esse casal
Espera ou já bebe um pouco de consternação

Hoje ele tem a barba por fazer
O cigarro compulsivo
O foda-se!

Essa sua nova estampa
Está autentica
Não nasceu para as mulheres
Antes era um canastrão
Hoje, um cara apático.

Lucas F.L.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Despedida - Rubem Braga

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.

Extraído do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83.
Imagem extraída de
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgg-sB_-zArvo2_j65RanatNlZifoUL-V7-WbJvNbnjDmKt-aUC7jvfL2CLWuCHipfBwxfgaeyDVMm1hA4dycyM3VpDn6x61LT3ml0xeS8aGyslsGl-VX45ZtLlmyc87UXsrRB2N6DIEnA/s400/despedida.jpg

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

José Saramago

"Não escrevo para agradar e tampouco escrevo para desagradar. Escrevo para desassossegar."

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Poema de Finados



Amanhã que é dia dos mortos
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.

Leva três rosas bem bonitas
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho em mais precisão.

O que resta de mim na vida
É a amargura do que sofri.
Pois nada quero, nada espero.
E em verdade estou morto ali.
 
Manuel Bandeira

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A correspondência


As pessoas se escrevem porque não podem se falar: o mais das vezes por causa da distância, da separação, de um espaço que as falas não podem transpor.

Esse foi durante séculos o único meio de dirigir-se aos ausentes, de levar o pensamento aonde o corpo não podia ir, aonde a voz não podia ir, e talvez esse seja o mais belo presente que a escrita deu aos viventes: permitir-lhes vencer o espaço, vencer a separação, sair da prisão do corpo, ao menos um pouco, ao menos pela linguagem.

Escrevemos nossas cartas para habitarmos juntos, tanto quanto pudermos, apesar da separação, apesar do espaço, o pouco tempo que nos é dado em comum, para compartilhar alguma coisa, um acontecimento, ou um pensamento, uma emoção ou um sorriso, muitas vezes quase nada e esse é o essencial de nossas vidas, para compartilhar essa pobreza que somos, que vivemos, que nos faz e desfaz, antes que a morte nos pegue, para não renunciar, enquanto respiramos e sejam quais forem os quilômetros que nos separam, à doçura de viver juntos, em todo caso ao mesmo tempo, à doçura de compartilhar e de amar. Contemporâneos da mesma eternidade, que é hoje. Passantes da mesma passagem, que é o mundo.

Escrevo-te para dizer-te que te amo, ou que penso em ti, que me alegro, sim, de ser teu contemporâneo, de habitar o mesmo mundo, o mesmo tempo, de só estar separado de ti pelo espaço, não pelo coração, não pelo pensamento, não pela morte.

A escrita nasce da impossibilidade da fala, de sua dificuldade, de seus limites, de seu fracasso.

Por que escrever quando se pode falar-se, quando se fala efetivamente? Porque nem sempre se pode falar, nem de tudo, porque a fala pode criar obstáculo para a comunicação, por vezes, ou condená-la à tagarelice, porque é preciso ter tempo de ficar sozinho, porque é doce pensar no outro em sua ausência, ainda que se deva vê-lo no dia seguinte, dizer-lhe o lugar que ocupa em nossa vida, mesmo quando ele não está presente, em nosso coração, em nossa solidão.

Nossas cartas se parecem conosco, desde que o queiramos um pouco, e mesmo, às vezes, quando não o queremos. Frágeis como nós. Irrisórias como nós. Bela por vezes. Pobres e preciosas, corriqueiras e singulares, quase sempre. Um pouco de nossa alma introduziu-se ali, na pouca espessura de um envelope. Um pouco de nossa vida, na loucura do mundo. Um pouco do nosso amor, no deserto das cidades.

Por que se escreve uma carta? para habitarmos juntos a essencial solidão, a essencial separação, a essencial e comum fragilidade. Para descrever o tempo que está fazendo, o tempo que está passando. Para contar o que nos tornamos, o que somos, o que esperamos. Para exprimir a distância, sem a suprimir. O silêncio, sem o corromper. O eu, sem se fechar nele.

André Comte-Sponville, Bom Dia, Angústia!, do ensaio “A Correspondência”, pp. 35-44. excertos adaptados (Martins Fontes)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Onde estou? Na penumbra.



Inevitavelmente existo, sem sombra de mim, sem o eco do sentir. A sombra, invisível, é ainda mais reveladora do que EU, portanto, ninguém vê, ouve, sente ou cheira. Assim sou EU, Daniele que todo mundo vê sem a sombra que está em toda a parte.

Se tenho um encontro marcado em determinada hora com a vida e mesmo sabendo que levarei três horas para chegar até ela, fico esperando o tempo me vencer. Com atraso, vou ao encontro dela e quando chego perto do local, percebo o grande milagre: estava chovendo enquanto eu caminhava e na chegada, pára de chover! As ruas estão ainda molhadas, as pessoas estão secando seus guarda-chuvas, outras, por teimosia, estão encharcadas de água. Uma pequena fresta de raios solares devolve-me o calor. Assim caminho contente em direção à vida. E ela, já impaciente com os meus atrasos, pergunta:

- Dani, por que se atrasou novamente?

E eu, num ímpeto, respondo da maneira mais natural possível:

- Estava chovendo!

É, minha realidade esconde-se na penumbra. Onde há a luz? E a escuridão?

Dani R.F.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O Pavão


Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas.
Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.

Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.

Rubem Braga

Rio, novembro, 1958


Simples e ternas. Assim são as lindas crônicas de Rubem Braga.
Texto extraído do livro "Ai de ti, Copacabana", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 149

"Qualquer semelhança é mera coincidência"




Tudo aqui se refere na verdade a uma vida que se
fosse real não me serviria. O que decalca ela,
então? Real, eu não a entenderia, mas gosto da
duplicata e a entendo. A cópia é sempre bonita.
Lispector. A paixão segundo G. H.



“Ulisses não tem
nada a ver com Ulisses de Joyce. Eu tentei ler Joyce mas parei porque ele era chato,
desculpe, Eduardo. Só que um chato genial”

Não gosto quando dizem que tenho afinidade com
Virginia Woolf: é que não quero perdoar o fato de ela
se ter suicidado.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Nostalgia

Tive uma pequena reminiscência
Daquela cidade congelada.
Seus casarões imutáveis
Resistiam aos séculos que aniquilam lembranças
E sepultam consigo os bons momentos.

Um pouco de nostalgia tomou conta de mim
A noite inerme revelava só ausência
Não havia aquela gente
Nem os mesmos aglomerados
E a baderna que agitava e consolava a escuridão.

Não fui advertida dos anos que se passaram
Iludi-me com a barraquinha de pipocas-doces
Senti o cheiro de hortelã da caipirinha baiana
O gosto doce estonteante do meu vinho
E uma alegria repentina invadiu-me como um tufão.


Fui buscar meu tempo perdido.
Mas não avistei a roda de samba no Largo de São Francisco
Não encontrei o casal de italianos que faziam pizzas parisienses
E nem pude desfrutar da agitação costumeira do São Jorge
Somente os sinos setecentistas das igrejas continuavam a anunciar o tempo passado.

Retornei para o instante vivo
Contentei-me com as frituras do simpático casal de velhinhos.
Exausta, procurei um abrigo para passar a noite
E foi naquele velho hotel rococó onde encontrei um pouco de esperança
Recordando as promessas de um tempo venturoso.

Na laje do hotel, descobri uma visão panorâmica da cidade envelhecida
As luzes dos casarões e avenidas harmonizavam-se com a noite solitária
Um casal de enamorados contemplava o ribeirão corrompido
E um homem, sentado em cima da ponte,
Pensava na morte, entorpecido.

A cidade viva e festiva,
Regada de boemia e pretensos amigos noturnos
Hoje está reduzida a pequenos estilhaços da memória.
Sinto-me agora expatriada do meu próprio lugar imaginário
Com minhas raízes extraídas desse chão que jamais pertenci.



Dani R.F.

.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Avenida


Em casos de flagrantes
A sodomia é poupada na noite
O caso é comum.
É a juventude se expressando
Jovens, amigas, efêmeras, alucinadas
Um abalo de estranhezas
“Vulvonares” compulsivas...

Correria nas ruas
As viagens nas madrugadas vazias,
São como tiros, projéteis dilacerantes
Onde perderão a força?...

É madrugada...
Na avenida a chuva cria a lama no jardim central
Eufóricas pelas sodas com vodca
Esfregam-se no pegajoso gramado
Ensopadas, se deliciam com as línguas bestiais
Rolam se pegando em unhas,
trançando as pernas,
esfolando as costas e os vestidos
e ali exauridas, adormecem.

O sol nublado rebusca a calçada,
os vestidos ainda úmidos,
manchados de lama e verde
Esqueceram de onde moravam
Ou talvez lhe faltaram forças para chegar em casa
Simplesmente repousaram na avenida principal.


Lucas F.L.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

A Estrangeira

Uma viajante neófita
Revelou seu estado de alma
Era uma estrangeira incalculada
Distante do mundo
Perdida de si

As vozes longínquas
Inalcançáveis que são
E os bairros solitários
Foram só vontade insossa
Da mocidade desperdiçada

Esqueceram-se dela
Pobre mulher pequena
Só corpo esmiuçado
De vaga memória
Uma boniteza estragada

Ninguém se lembrou do tabaco podre
E da garrafa reutilizada
Abandonada despiu-se da carcaça
Estrangeira que foi
Ao ir embora, desapareceu.

Sou uma estrangeira, distante do mundo, perdida de mim!


Dani R.F.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Juventude Verde

Avistei aquela menina
Que por um corte no dedo, um dia chorou
Frágil, pequenina, achava que ia morrer
A mãe, assustada, socorreu-a
Fez os curativos e tentou acalmá-la.

Espasmos, cortesia bruta
Vida inda, crescente
A comida da mesa com mimos
A regrada monotonia dos dias
O surto do calar antes de dormir
O êxtase demasiado agonizante
Tempo passa, do calor aos dias frios
Corre depressa, levando a inocência ninfal.

Juventude verde, repentina
Floresce no frescor macio da pele
Ao som do rock drop, despertou a vadiagem
Leviana, fugia da solidão maléfica
Indo parar nos botecos fora da criação mesquinha

Incontida, saiu dos domínios da mãe
Entregou-se sem saber amar.
Esquivou-se de seus bons modos
Já não era a aparência frágil de quem chora por um dedo cortado
Mas a vi, tão solitária e deprimente.
Nas andanças da banda triste
A barriga crescendo, o rosto encolhido

Sim, a fragilidade disfarçada de quem perdeu a alma

Dani R.F.

Pintura de Gustav Klimt. "Hope" (1903)

terça-feira, 14 de julho de 2009

A Ruiva



Um sonho de consumo
Dos garotos pubéricos
Mulher menina dos cabelos avermelhados
Com um copo de caipirinha,
Desconversava.

Entre manhãs e noites,
Uma pitada de cultura
Ao sol da meia-noite e o blues
Incendiava-se como seus cabelos de fogo
Palpitante.

Desvirginada aos treze
Prostitui-se aos vinte e poucos anos
Deu para um, dez, oitenta
Adoeceu
E morreu de aids.

Dani R.F.
Imagem de Henri de Toulouse-Lautrec - "A Ruiva", 1896

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Oceano de Mim




A terra em si não faz ruídos?
Ora, nem na mais profunda quietude
A ausência de vidas impede o grito do mundo
Quer sentir?

As portas se fecharam estrondosamente
E o frio lá fora zuniu nórdico
A natureza é genitora de toda a perfeição
Repenicando contra minha própria natureza.


Vejo o marasmo decadente dos vadios encardidos
Além de um emaranhado de fios no seu desce-e-sobe
Pencas de astros desabrocham do infinito iluminado
Acentuando a sofreguidão da lua uivante.
Oh, Deus, tudo isso é o inferno do paraíso?
Pois não vejo senão o vácuo dessa imensidão
Um vazio solitário dessa angústia ansiosa
Da cruel incerteza fazendo cambalhotas no ar.


Esse mar profundo e gélido em seu desatino
Possui meus fantasmas escaveirados vagando dentro de mim
Quantos mistérios meus estão ali habitados?
Pois estão submersos nesse oceano de dúvidas
Que eu tanto bebo como quem tem sede
No mais, sou insaciável, sou gigante, devoradora
De todos os meus pensamentos medíocres flutuantes
Com os sonhos mergulhados vindo à tona esverdeantes.


Vejo a vida lá fora enfadonha atirando os raios da dor
Com as costas esguias viradas para mim com enojo
As portas permanecem cerradas com os seus segredos
E as almas penadas produzem os ventos devassadores
Através do frio palpitante no peito esbaforido e saliente
É possível afinal desvendar o esconderijo do silêncio?
Algumas descobertas podem causar a grande desgraça humana
E eu, um mar habitado no enigma do meu ser.

Dani R.F.

17-11-06

terça-feira, 7 de julho de 2009

Em Paz

O ato
A insônia
Solidão
E fome
Amordaçados,
E no fim da noite
O abandono do madrugar.

O galo canta
Astuto
Imperioso.
Lá fora, a geada
Gandaia dorme
Em paz
Sossegando

O movimento
Ainda se espreguiça.
Bêbado morto
Por deus, não!
Está deitado na rua
Roncando
Encardido.


As horas mau-vindas
Senhores, acordai-vos!
A noite ainda espera
Sedutora
Ansiosa.
O bacanal resguarda
No sono, os filhos da noite.

Dani R.F.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Embriaguez

Quando as águas se tornam vis,
O rio passa e leva embora a pureza
E traz contigo, o meu gigante
O meu pecado e o teu corpo.
Quero beber desse copo proibido
Degustar em tuas veias
O sangue frio, que me aquece
Sonhar o baile da meia-noite
Incendiar-me no teu perfume
Que toca o corpo que se exume
E delicio a valsa dos malandros
Como o velho vinho tinto
Que me embriaga, estonteada
O som melódico em ritmo de heresia
Desaba colérico, em prantos
Minha loucura, meu espanto
Que encoraja o prazer, o hedonismo
Faz-me despertar a insanidade
E assim vou tragar junto com a tua fuligem
Devorar tua boca maldita
Que palpita minha mente suja

E num impulso desenfreado
Bebo com voracidade teu sangue
Caindo em mim, zeladamente
O gosto doce da embriaguez


Dani R.F.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

O Bêbado

Um vulto sai do nada
É a figura de um bêbado
Vestido como maltrapilho
Escuro em sua imundície.

O odor alastra por onde passa
O cheiro desagrada os cachorros
Como uma carniça viva
Que está pronta para o abate

Seu andar tortuoso
E os olhos que se embaraçam
Buscam a linha reta
Que se desequilibra e engana

Com as mãos, busca o apoio
Tocando no vazio
O bêbado cai anestesiado
E com dificuldade, levanta-se.

Continua em passos tortos
Para lá e para cá
Abanando as mãos
Abandonado no meio da rua

De repente, a ladeira
Atraente, mas traiçoeira,
Ela convida-o a subir devagar:
“Venha alcançar o céu, querido.”

O bêbado baba de felicidade
Seu hálito etílico vira perfume
A ladeira estende suas mãos
Para o destino do indigente

Ele sobe, sorrindo
Ao levantar suas mãos
O bêbado desapoia da parede
E cai no chão, desacordado.

Com a cabeça no chão
O sangue escorre fresco
A noite encobre-o com seu frio
E no meio da rua, ele morre.


Dani R.F.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Festas Juninas


Profundamente

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegrias e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio

Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

- Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo profundamente.

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
TomásiaRosas
Onde estão todos eles?
- Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Manuel Bandeira
__________________________________
Para fechar o mês no ritmo de festa junina, um belissimo poema desse nobre poeta.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

São João Del Rei


De baixo intensificaram os ciscos
Fungos e ácaros devorando epidermes falecidas
E a ferrugem corroendo preguinhos na periferia do sofá
Passado nas vertigens históricas
Umidade de tuberculoso, rio de ribeirão
Ponte da cadeia, beiral da janela de pedra sabão
Tudo foi filmado numa película saturada de negros
Cidade saiote de pelos afros e seios avermelhados
Muita madeira em cupins demasiados a gula antiga
A sarna de cães populares, itinerantes
Os sinos badalando o adormecer da fé
E tudo harmoniosamente rococó
Meu lápis, a pena, tinta e o travesseiro...

Lucas F.L.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Marginal.

Roberto Piva
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Manifesto Utópico-Ecológico em Defesa da Poesia & do Delírio



Invocação

Ao Grande deus Dagon de olhos de fogo, ao deus da vegetação Dionisos, ao deus Puer que hipnotiza o Universo com seu ânus de diamante, ao deus Escorpião atravessando a cabeça do Anjo, ao deus Luper que desafiou as galáxias roedoras, a Baal deus da pedra negra, a Xangô deus-caralho fecundador da Tempestade.


Eu defendo o direito de todo ser Humano ao Pão & à Poesia. Estamos sendo destruídos em nosso núcleo biológico, nosso espaço vital & dos animais está reduzido a proporções ínfimas quero dizer que o torniquete da civilização está provocando dor no corpo & baba histérica o delírio foi afastado da Teoria do Conhecimento & nossas escolas estão atrasadas pelo menos cem anos em relação às últimas descobertas científicas no campo da física, biologia, astronomia, linguagem, pesquisa espacial, religião, ecologia, poesia-cósmica, etc., provocando abandono das escolas no vício de linguagem & perda de tempo em currículos de adestramento, onde nunca ninguém vai estudar Einstein, Gerard de Nerval, Nietzsche, Gilberto Freyre, J. Rostand, Fourier, W. Heinsenberg, Paul Goodman, Virgílio, Murilo Mendes, Max Born, Sousandrade, Hynek, G. Benn, Barthes, Robert Sheckley, Rimbaud, Raymond Roussel, Leopardi, Trakl, Rajneesh, Catulo, Crevel, São Francisco, Vico, Darwin, Blake, Blavatsky, Krucënych, Joyce, Reverdy, Villon, Novalis, Marinetti, Heidegger & Jacob Boehme & por essa razão a escola se coagulou em Galinheiro onde se choca a histeria, o torcicolo & repressão sexual, não existindo mais saída a não ser fechá-la & transformá-la em Cinema onde crianças & adolescentes sigam de novo as pegadas da Fantasia com muita bolinação no escuro.


Os partidos políticos brasileiros não têm nenhuma preocupação em trazer a UTOPIA para o quotidiano. Por isso em nome da saúde mental das novas gerações eu reivindico o seguinte:


1 - Transformar a Praça da Sé em horta coletiva & pública.


2 - Distribuir obras dos poetas brasileiros entre os garotos (as) da Febem, únicos capazes de transformar a violência & angústia de suas almas em música das esferas.


3 - Saunas para o povo.


4 - Construção urgente de mictórios públicos (existem pouquíssimos, o que prova que nossos políticos nunca andam a Pé ) & espelhos.


5 - Fazer da Onça (pintada, preta & suçuarana) o Totem da nacionalidade. Organizar grupos de Proteção à Onça em seu habitat natural. Devolver as onças que vivem trançadas em zoológicos às florestas. Abertura de inscrições para voluntários que queiram se comunicar telepaticamente com as onças para sabermos de suas reais dificuldades. Desta maneira as onças poderiam passar uma temporada de 2 semanas entre os homens & nesse período poderiam servir de guias & professores na orientação das crianças cegas.


6 - Criação de uma política eficiente & com grande informação ao público em relação aos Discos-Voadores. Formação de grupos de contato & troca de informação. Facilitar relações eróticas entre terrestres & tripulantes dos OVNIS.


7 - Nova orientação dos neurônios através da Gastronomia Combinada & da Respiração.


8 - Distribuição de manuais entre sexólogas (os) explicando por que o coito anal derruba o Kapital


9 - Banquetes oferecidos à população pela Federação das Indústrias.


10 - Provocar o surgimento da Bossa-Nova Metafísica & do Pornosamba. O Estado mantém as pessoas ocupadas o tempo integral para que elas NÃO pensem eroticamente, libertariamente. Novalis, o poeta do romantismo alemão que contemplou a Flor Azul, afirmou: "Quem é muito velho para delirar evite reuniões juvenis. Agora é tempo de saturnais literárias. Quanto mais variada a vida tanto melhor ".

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Vinícius de Moraes, "o boêmio incurável"




“Se eu tivesse, se eu tivesse muitos vícios
O meu nome deveria ser Vinicius
Se esses vícios fossem muito imorais
Eu seria o Vinicius de Moraes.”

Versos de José Carlos Oliveira


"Na verdade, mais do que imoral, Vinicius foi amoral, no sentido de que ele mesmo elaborava seus códigos de conduta, se é que tinha algum. Poucas pessoas viveram a vida com tanta liberdade, despudor e prazer. E poucos poetas foram tão sensuais, tão capazes de cantar o amor carnal com tanto lirismo. Seus sonetos sobre o tema podem figurar numa antologia ao lado dos de Camões."


Zuenir Ventura em "Bendito Vagabundo"

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Soneto

Quando me ergui ela dormia, nua
E sorria, em seu sono desmaiada
Tinha a face longínqua e iluminada
E alto, seu sexo sugava a Lua.

Toquei-a, ela fremiu, gemeu, na sua
Doce fala, e bateu a mão alçada
No ar, e foi deixá-la de guardada
Sob a nádega fria, forte e crua

Tão louca a minha amiga, linda e louca
Minha amiga, em seu branco devaneio
De mim, eu de amor pouco e vida pouca

Mas que tinha deixado sem receio
Um segredo de carne em sua boca
E uma gota de leite no seu seio


Vinícius de Moraes


Bom dia, tristeza
Bom dia, tristeza
Que tarde, tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando
Até meio triste
De estar tanto tempo
Longe de você

Se chegue, tristeza
Se sente comigo
Aqui, nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar


Vinícius de Moraes

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Grande Sertão: Veredas


"Todos estão loucos, neste mundo? Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total. Todos os sucedidos acontecendo, o sentir forte da gente - o que produz os ventos. Só se pode viver perto do outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Deus é que me sabe."


Guimarães Rosa

sábado, 13 de junho de 2009

Dia dos Namorados

NAMORADOS



O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:

- Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.

A moça olhou de lado e esperou.

- Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê
uma lagartixa listada?

A moça se lembrava:- A gente fica olhando...


A meninice brincou de novo nos olhos dela.

O rapaz prosseguiu com muita doçura:

- Antônia, você parece uma lagarta listada.

A moça arregaçou os olhos, fez exclamações.

O rapaz concluiu:

- Antônia, você é engraçada! Você parece louca.

Manuel Bandeira

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Inverno


Está tarde,
Um frio seco começa a invadir o corpo
Já não é tempo de apreciar a carne
E o erotismo dos contornos femininos

Num lugarejo, a escuridão
O espectro ranzinza e esmagador
Revela a face de algo desfeito
É a mulher protegida do seu próprio desejo

Reina a decadência elegante
Esconde em seu abrigo o pecado desperto
O mistério atiça a mente
E o porvir das horas quentes

O vislumbre que rasga, que corta
Reflete na mulher uma calma suave
Seu semblante vazio e emudecido
Enfadonha turbulência de sofrer

A mulher senta-se calada
Seus olhos fatídicos revelam a embriaguez
Diante de si, um copo de conhaque
Um cigarro e a solidão.
Dani R.F.
Pintura de H. Toulouse Lautrec - Gueule de Bois

terça-feira, 9 de junho de 2009

Manuel Bandeira, um dos meus preferidos!

TRAGÉDIA BRASILEIRA

Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade,

Conheceu Maria Elvira na Lapa, - prostituída, com sífilis, dermite nos dedos,uma aliança empenhada e o dentes em petição de miséria.

Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.

Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.

Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.

Viveram três anos assim.Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.

Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...

Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.


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POEMA TIRADO DE UMA NOTICIA DE JORNAL

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
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PNEUMOTÓRAX
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.

- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito[infiltrado].
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Nelson Rodrigues, uma mente suburbana II

Textos retirados da revista Manchete. Para melhor visualizá-los, clique em cima da imagem:


quarta-feira, 3 de junho de 2009

Mário Quintana

OS POEMAS

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...


POEMINHA DO CONTRA
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
A OFERENDA
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos...
trago-te estas mãos vazias
Que vão tomando a forma do teu seio.
BILHETE
Se tu me amas,
ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho,
Amada, que a vida é breve,
e o amor mais breve ainda...

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Palavras reprimidas


Ah, quanto me resta dizer o que nao consigo!
Palavras que tentam sair da boca como náuseas
e depois fazem seu vai-e-vem
embrulhando todo o estômago de piruetas,
e dançam seguindo o ritmo da valsa,
agitam como as moléculas que sofrem a colisão: bummmm!
explodem!


Mas as palavras ficam mutiladas em pequenos pedaços do corpo,
espalhando-se nesse vasto verde montanhoso.
Viram figuras de interferência,
com rabiscos multicoloridos,
rangendo contra as quatro paredes.
Mesmo aquelas que são vomitadas no vaso
fundem-se com a água espumante...
embaralham-se!


O que vou eu dizer a ti?
mente confusa querendo algo dizer?
Estão em toda parte...
na gaiola junto com o canarinho branco,
no porão junto com a cadela no cio,
na mesa, no banheiro, dentro do carro, no bolso da calça...
em toda a parte e nao consigo arrancá-las!!

Perdoe-me se for asneira,
mas terá que me perdoar mais ainda
se falar eu nao conseguir,
enfim, as palavras continuam vagando aí
como esses seres mundanos...
Estão perdidas, simplesmente!
Dani R.F.

Nelson Rodrigues, uma mente suburbana



“Já falei da louca, filha da lavadeira. Foi a primeira mulher nua que vi na minha infância. E, ainda agora, ao bater estas notas, tenho a cena diante de mim. Eu me vejo, pequenino e cabeçudo como um anão de Velásquez. Empurro a porta e olho. O espantoso é que sinto uma relação direta e atual entre mim e o fato, como se a memória não fosse a intermediária. A demente tem a tensão e o cheiro da presença viva. Mas como ia dizendo: - no fundo, encostada à parede, está a nudez acuada”.
“Uma meia dúzia aceitou Álbum de família. A maioria gritou. Uns acharam “incesto demais”, como se pudesse haver “incesto de menos”. De mais a mais, era uma tragédia “sem linguagem nobre”. Em suma: - a quase unanimidade achou a peça de uma obsessiva, monótona obscenidade. Augusto Frederico Schmidt falou na minha “insistência na torpeza”. O dr. Alceu deu toda razão à polícia, que interditaria a peça; meu texto parecia-lhe da “pior subliteratura". Assim comecei a destruir os meus admiradores. Foi uma carnificina literária. Mas não me degradei, eis a verdade, não me degradei”.
“Desde aquela época, cada um, na vida literária, tinha que ser um engajado. Ninguém ia à rua sem a sua pose ideológica. Lembro-me de Isaac Paschoal me perguntando, depois de um discurso de Prestes: - “E você? Qual é a sua contribuição?”. Baixei a vista, rubro de vergonha. E, como ainda não contribuíra, senti-me um fracassado nato e hereditário. Daí porque não posso ver, hoje em dia, o Guimarães Rosa, sem uma sensação de deslumbramento. Durante anos, pratiquei a solidão com certo pânico e certa vergonha. E eis que vem o autor de Sagarana e ergue a sua torre de marfim, assim como um cigano põe a sua barraca. Nada existe: - só a sua obra. Estão brigando no Vietnã? Pois o nosso Rosa escreve. Há a guerra nuclear, o fim do mundo? Guimarães Rosa funda outro idioma. A torre de marfim fez dele o maior artista brasileiro do século”. (A menina sem estrela - Memórias, de Nelson Rodrigues, 1999)


Ninguem do país como ele conseguiu desnudar a sociedade, tirar suas máscaras e trazer aos olhos do mundo a vida como ela é. De uma sinceridade mórbida e agressiva, foi recebido com horror pela sociedade moralista, sem ao menos aceitar que, no fundo, ela se igualava aos personagens rodrigueanos. A sociedade, nas palavras do próprio Nelson, estava apenas "cuspindo na própria imagem".
"E, quase sempre, o homem nasce, vive e morre sem ter contemplado jamais o seu rosto verdadeiro, e sem ter jamais conhecido seu nome eterno.". (N.R.).





Entrevista com Nelson Rodrigues:



Manchete
Mas você é muito amargo.

Nelson Rodrigues
— Como?Manchete Muito amargo em face da vida.Nelson RodriguesMeu coração, meu anjo: a amargura é o elemento do artista. A amargura dá uma dimensão fantástica ao artista..


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Apesar da sua obra ser considerada pessimista, Nelson Rodrigues acreditava no amor como salvação da humanidade. Seu objetivo, ao escrever suas peças, era o de provocar uma catarse no espectador para que ele revisse seus valores e não cometesse os seus "pecados".


“A ficção para ser purificadora precisa ser atroz. O personagem é vil para que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de todos nós”.

"É preciso ir ao fundo do ser humano. Ele tem uma face linda e outra hedionda. O ser humano só se salvará se, ao passar a mão no rosto, reconhecer a própria hediondez.".

quarta-feira, 27 de maio de 2009

A Fórmula



"De quem tem medo. imbecil? Das pessoas que o estão olhando? Da posteridade, por estranho acaso? bastaria uma coisa ínfima: conseguir ser você mesmo, com todas as fraquezas inerentes, mas autêntico, indiscutível. A sinceridade absoluta seria em si mesma um tal documento! Quem poderia suscitar objeções? Este é o homem, um dos muitos, se quiserem, mais um. Os outros seriam obrigados a levá-lo em consideração, estupefatos, pela eternidade."
Dino Buzzati, Naquele Exato Momento.
Autor da obra-prima O Deserto dos Tártaros

terça-feira, 26 de maio de 2009

O FIM

Vindo de cóleras que embriagam
A água que escorre turva e lenta
Cheira o frescor da miséria
E a imundície reinante na metrópole
Petrifica os bons pensamentos

Através dos nossos olhos
A mulher deitada, agonizando
Necessitando de socorro
Grita por dentro, sofrendo
Transeuntes passam por ela
E vêem uma sombra negra
É um mendigo, um cachorro, um rato!
A figura pouco importa
Importa o que lhes apraz
A imundície da calçada
A mancha vermelha que escorre
O odor que enoja as narinas
A sujeira que inunda suas veias
Isso não importa.

Não há tempo mais para amar
Não conseguiremos viver os sonhos
Não teremos bondades

Não caminharemos de mãos dadas
Não admiraremos o belo
Não cantaremos a vida
Não mais, não agora
Nem no futuro próximo
Menos ainda no fim da vida




Dani R.F.


quinta-feira, 21 de maio de 2009

Loucura

Até meu filho de menos de dois anos de idade me conhece melhor do que eu...
Ao ver atitudes, gestos ou expressões estranhas, ele diz:
Mamãe doida, mamãe doida...
E meus braços continuam a balançar como pêndulos de relógio
Minhas mãos continuam a tocar tambores descompassadamente
Minhas pernas continuam a arrancar feito elástico esticado quando solto
E meus ouvidos continuam a ouvir
Mamãe doida, mamãe doida...
Até ver chegar meu marido com um copo d'água e uma balinha azul
ela desce em minhas goelas e repousa no meu estômago
Se dissolvendo lentamente, poderosíssima
E os ecos de uma voz fina vão se tornando cada vez mais suaves
Ma-mãe doidaaa, ma-mãe doidaaaa
E cessam de uma vez, trazendo para meus olhos, a escuridão plena.
Dani R.F.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Retorno?!

Ressuscitei...
Como aquela que quer devorar os extremos
Ter de volta os pequenos versos
As pequenas mágoas e grandes paixões

Voltei...
A embriagar-me de desejos
De pensamentos insanos
E de loucuras desmedidas

Senti Saudades
De ver encostada em brancas paredes
De lagrimas convulsivas
E olhos borrados
Boca seca entreaberta
O espanto desatinado
Em gritos incontroláveis
Anunciando o decadente

Quero meu café quente
Quero deleitar-me em sonhos rústicos
aconchegar-me das noites frias
Dos ventos nórdicos
Descansando, inventando...



Dani R.F.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Urbanidades

Sem pressentimentos que me tolerem
Quão vazia é a busca
De estar e não ter que ir
De sonhos dourados que ofuscam
De mazelas derretidas
De carne fria e seca
De desvantagens e agonia
De vidas que penetram
É assim
O nada e o tudo
A inexatidão do óbvio
A presença inconfundível do pitoresco
Ansioso em sua ansiedade
Querendo vomitar e não poder ejacular
Pensamentos bulímicos das coisas digeridas
Prefiro jogar tudo fora do que simplesmente
Degustar o chato
Mesmo que descanse a sordidez
É nítida a idéia de fuga
Fuga da imensidão
Das coisas vindas
Da realidade onipresente
Santa ubiqüidade, me dizes:
O que eu vou fazer de mim????
Daniele R.F.